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A Pampa também é Kilombola!
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O evento realizado no Rincão da Chirca, na Serra do Caverá, em Rosário do Sul, reuniu 70 pessoas de 14 kilombos do bioma Pampa

O Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa e a Fundação Luterana de Diaconia (FLD), por meio do Projeto Pampa, promoveram, nos dias 9 e 10 de junho de 2018, um encontro entre comunidades kilombolas localizadas no bioma Pampa, chamado “Encontro de Comunidades Kilombolas da Pampa”. O próprio nome do evento foi uma provocação à reflexão. No vocabulário das línguas africanas como yorubá e kibundu, é utilizada a letra “k” e não a letra “q”. Já o bioma Pampa tem seu nome originado de línguas indígenas andinas, como da etnia Quéchua, onde “la pampa”, no feminino, significa planície, área extensa, sem limite, como são as paisagens do sul do Brasil, Uruguai e parte da Argentina. Fortalecer a identidade kilombola, um dos objetivos do encontro, passa por valorizar a ancestralidade e a oralidade e por um processo de descolonização, inclusive de palavras e linguagens, carregadas de significado. “Os negros sempre escreveram, os europeus é que não entenderam.” disse Francisco Paulo Jorge Pinto, Mestre Chico, que assessorou o Encontro.

Reuniram-se na Comunidade Kilombola Rincão da Chirca, na Serra do Caverá, em Rosário do Sul, cerca de 70 pessoas representando 14 kilombos de nove municípios do bioma Pampa: Coxilha Negra, Torrão e Monjolo (São Lourenço do Sul), Algodão (Pelotas), Madeira (Jaguarão), Cerro das Velhas, Boqueirão, Maçambique (Canguçu), Rincão dos Negros I (Rio Pardo), Corredor dos Munhos (Lavras do Sul), Rincão dos Fernandes (Uruguaiana), Ibicuí da Armada (Santana do Livramento), Rincão dos Negros II e Rincão da Chirca (Rosário do Sul). Também estiveram presentes representantes de outras identidades sociais que integram o Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa, na perspectiva de um diálogo intercultural: Dorvalino Cardoso, pelo Povo Indígena Kaingang, Ana Isabel Melo dos Santos, pelo Povo Indígena Guarani, Alba Maria Monteiro da Silva e Carlos Adriano Leite de Almeida pelas Pescadoras e Pescadores Artesanais, Rosecler Winter pelo Povo Cigano, Daniel Roberto Soares – Mestre Pretto – e Zuleika Soares – Yalorixá Zuleika de Oyá – pelo Povo de Terreiro e Fernando Aristimunho pela identidade de Pecuarista Familiar. Representantes da FLD, do Conselho de Missão entre Povos Indígenas (COMIN), do Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia (CAPA), da Articulação Pacari, integrantes do Movimento Negro e do Movimento Negro Unificado também estiveram presentes.

O primeiro dia contou com muita integração, momentos de espiritualidade de matriz africana, de musicalidade e roda de capoeira. Momentos de troca de saberes foram vivenciados por meio de oficina de confecção de bonecas negras, ministrada pela kilombola Adriana da Silva Ferreira; oficina sobre ervas medicinais com elaboração de xarope com plantas do bioma Pampa, ministrada por Lourdes Cardozo Laureano da Articulação Pacari, em conjunto com mulheres kilombolas que detém saberes sobre ervas e benzimentos; oficina de elaboração de tambores de tronco – ministrada por Mestre Pretto, Mestre Chico e pelo kilombola Jerri Eliano Quevedo – com os quais, ao final do evento, a comunidade foi presenteada. A oralidade, própria dos Povos e Comunidades Tradicionais, foi característica marcante do evento, assim como a alimentação que valorizou a culinária africana e dos kilombos da Pampa, com pratos como canjica, quibebe, aipim, churrasco, carreteiro e feijoada. “Cultura africana é vivência” afirmou Mestre Chico. Uma fogueira iluminou a primeira noite do Encontro.

O segundo dia foi realizado no “pé” da Serra do Caverá, em Rosário do Sul, na Escola Municipal Aracy Vieira do Amaral, que atende estudantes kilombolas e possui uma professora kilombola, Mariglei Dias de Lima, filha de Ilka Dias de Lima, senhora mais idosa da Comunidade kilombola Rincão da Chirca, anfitriã do Encontro. Neste dia temas como direitos e políticas públicas nas áreas social, de saúde e educação voltadas para comunidades kilombolas foram abordadas, pelo kilombola Nilo Dias e por Stäel Soraya dos S. Rosa, do Movimento Negro, que deram destaque para a importância de kilombolas garantirem e ocuparem espaços de controle social e de elaboração de políticas públicas. “O que nós precisamos é do poder de revolução de Yansã, que com seus ventos causam a tempestade para desconstruir o que está aí, e também precisamos do fogo, da energia transformadora de Xangô” disse Stäel. Na opinião de Jerri, da Comunidade Kilombola Monjolo, “Regredir é cair no tronco de novo”.

A Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (Decreto 6040 de 07/02/2007) bem como outras políticas socioambientais relacionadas às comunidades kilombolas e aos seus conhecimentos tradicionais foram abordadas. Foi dado destaque ao direito à consulta livre, prévia e informada, prevista na Convenção 169 da OIT(Organização Internacional do Trabalho) e promulgada pelo Brasil pelo Decreto 5051 em 19/04/2004. Dentre as prerrogativas desta Convenção, está o direito dos povos em “definir suas próprias prioridades no processo de desenvolvimento na medida em que afete sua vida, crenças, instituições, bem-estar espiritual e as terras que ocupam ou usam para outros fins, e de controlar, na medida do possível, seu próprio desenvolvimento econômico, social e cultural.” Prevê ainda participação dos povos na “formulação, implementação e avaliação de planos e programas de desenvolvimento nacional e regional que possam afetá-los diretamente.” Lourdes Cardozo Laureano, da Articulação Pacari apresentou dois Protocolos de Consulta já elaborados e impressos em formato simples e popular: Protocolo de Consulta da comunidade quilombola de Abacatal, no município de Ananindeua, no Pará; e o Protocolo de Consulta do povo indígena Munduruku do alto, médio e baixo Tapajós, na Amazônia.

Na avaliação de Lourdes “este encontro é para aprofundarmos nossas raízes, para resistirmos”. Ao final do Encontro foi aprovado um Manifesto, afirmando a identidade kilombola, denunciando toda forma de discriminação, opressão, ameaça e violência e anunciando que as comunidades kilombolas da Pampa recorrerão a diversos instrumentos e estratégias para a efetivação de seus direitos, historicamente negados.

O manifesto está disponível aqui, para download.