Comitê entrega Manifesto contra o projeto de mineração Fosfato Três Estradas ao MPF

Comitê entrega Manifesto contra o projeto de mineração Fosfato Três Estradas ao MPF
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Imagem ilustrativa: Sociobiodiversidade no Bioma Pampa está gravemente ameaçada de destruição, da mesma forma que em outras áreas no país, como a Serra do Curral, em Minas Gerais.

A instalação de grandes projetos de mineração, que estão em processo de licenciamento no Rio Grande do Sul, é questionada por uma série de questões preocupantes, que incluem a falta de transparência, de participação social efetiva e de consultas junto às comunidades tradicionais da região, conforme determina a OIT 169.

O Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa, junto com a Fundação Luterana de Diaconia (FLD), entregou, em dezembro de 2018, ao Ministério Público Federal (MPF) de Bagé e ao MPF de Rio Grande, o “Manifesto sobre violações de direitos provocadas pela mineração no Brasil e como se reproduz no projeto `Fosfato Três Estradas´ (RS)”. Este é mais um megaprojeto em processo de licenciamento que pretende se instalar no Rio Grande do Sul, especificamente no bioma Pampa, e que tem sido profundamente questionado por organizações da sociedade civil, pesquisadoras e pesquisadores de universidades e comunidades locais.

Este é o segundo Manifesto produzido pelo Comitê e FLD. O primeiro – entregue ao MPF em janeiro de 2018 – foi em relação ao projeto Caçapava do Sul, uma joint venture entre a mineradora Iamgold Brasil e Nexa Resources (ex-Votorantim Metais Holding), que pretende minerar chumbo, cobre, zinco (além de ouro e prata associados) na parte alta da bacia do rio Camaquã, com instalações no município de Caçapava do Sul. Ver notícia em: ​Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa entrega Manifesto contra mineração ao MPF

Os documentos entregues ao MPF referem-se aos planos e políticas na área da mineração que vêm sendo construídos pelas empresas associadas aos governos, sem participação da sociedade civil, a exemplo Plano Energético do estado do RS para o período de 2016-2025, do Plano Estadual de Mineração-RS e da Política Estadual do Carvão Mineral e instituição do Polo Carboquímico do RS (Lei 15.047 de 2017). Também sobre o projeto Retiro, da empresa Rio Grande Mineração S.A. – RGM, que pretende minerar titânio, ilmenita, rutilo e zirconita e outros metais pesados em São José do Norte, RS.

O que diz o Manifesto sobre o Projeto Três Estradas e a empresa Águia

– A empresa Águia Fertilizantes (que está em Lavras do Sul) é subsidiária da Águia Metais (com sede em Minas Gerais), que por sua vez é subsidiária da Aguia Resources, com sede na Austrália.

– As empresas Águia, Belo Sun, Potássio do Brasil e Irati Energia integram o banco comercial Forbes & Manhattan (F&M), com sede no Canadá.

– A Águia Fertilizantes é de propriedade de Fernando Henrique Bucco Tallarico e Helio Botelho Diniz, que também detêm as empresas Potássio (para extração de potássio em Autazes/ AM) e Irati (para extração de xisto no RS e em SC) do grupo F&M. A gestora ambiental da Águia Fertilizantes, Lucélia Moema Carneiro, exerce praticamente o mesmo cargo nas empresas Potássio, Irati e Belo Sun (para extração de ouro em Senador José Porfírio/ PA). As empresas Belo Sun e Potássio tiveram o licenciamento ambiental de seus projetos de mineração suspensos, devido à ausência de consulta prévia, livre e informada junto às comunidades tradicionais (conforme determina a OIT 169), à denúncia de compra ilegal de terras públicas, além da falta de transparência. Em Ação Civil Pública movida pelo MPF em face de Potássio do Brasil, é mencionado que a empresa revela “um modus operandi inconcebível dentro dos parâmetros da boa-fé” (Folha 32 em: www.mpf.mp.br/am).

– A Águia Fertilizantes detém 81 processos minerários ativos junto ao Departamento Nacional de Produção Mineral/Agência Nacional de Mineração (DNPM/ANM) em oito municípios da região (Lavras do Sul, Dom Pedrito, Bagé, Caçapava do Sul, São Gabriel, São Sepé, Santa Margarida do Sul, Piratini) para pesquisa de fosfato, calcário e ouro, e a empresa Irati Energia possui 21 processos minerário ativos para pesquisa de rocha betuminosa/xisto em 5 municípios (Cachoeira do Sul, Caçapava do Sul, São Sepé, Formigueiro e São Gabriel).

– A Águia e a Irati têm intenção de se expandir no bioma Pampa, inclusive sobre territórios de comunidades tradicionais, como é o caso do Quilombo de Palmas em Bagé, reconhecido em 2017 pelo INCRA. Estas informações não são divulgadas na região, violando os direitos da sociedade em geral e destas comunidades de saberem destas intenções.

– A empresa Águia Fertilizantes está presente na região de Lavras do Sul desde 2011 e desde então vem participando de reuniões do Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do rio Santa Maria, porém a sociedade de Lavras do Sul tomou conhecimento da intenção de mineração pela empresa apenas em 2017.

– A Águia Fertilizantes participou da elaboração do Plano de Recursos Hídricos da Bacia rio Santa Maria entre 2013 e 2016 e determinou a mudança no enquadramento das águas (de especial para Classe 1) nas cabeceiras onde o projeto pretende se instalar. Recentemente o Comitê do rio Santa Maria aumentou o número de vagas da categoria mineração em detrimento das categorias associações comunitárias e organizações ambientalistas naquele Comitê de Bacias. Os principais parâmetros de baixa qualidade das águas do rio Santa Maria são Fósforo Total e E. Coli, e isto não têm sido uma preocupação do Comitê BH Santa Maria frente ao projeto.

– Apesar de estar atuando na região desde 2011, foi só em 28 de dezembro de 2018 que a Águia Fertilizantes divulgou seu EIA-RIMA, tendo em vista a obrigatoriedade frente à primeira audiência do processo de licenciamento junto a FEPAM, prevista para 20 de março de 2019. Até então a empresa vinha divulgando apenas os “benefícios” do projeto e a marca da empresa. Foram inúmeras atividades com distribuição de brindes, lanches, doação de materiais escolares, tintas para pintar escolas, patrocínio de shows e eventos com brincadeiras envolvendo crianças, até a criação de um joguinho sobre mineração para crianças. A Águia contratou a empresa (start up de inovação) Nano BizTools para “enfrentar a desconfiança da população e desenvolver uma comunicação empática”, nas palavras destas próprias empresas. Por outro lado, a Águia vem divulgando sistematicamente informações em inglês aos seus acionistas – por meio de documentos e notícias no site da Aguia Resources – inclusive sobre suas concretas intenções de expansão na região.

– A Águia Fertilizantes, subsidiária da australiana Aguia Resources pretende instalar o Projeto Fosfato Três Estradas em faixa de fronteira.

– A empresa Golder Associates, responsável pelo EIA-RIMA do projeto Fosfato Três Estradas da Águia, foi a empresa inicialmente contratada pela Samarco, logo após o rompimento da barragem em Mariana (MG), para cuidar da recuperação das áreas destruídas. Entretanto, não divulgou suas ações e não respondeu aos contatos da imprensa. Pouco ou nada se sabe sobre sua atuação neste caso e sobre sua atuação no Brasil. A Fundação Renova posteriormente substituiu a Golder.

– A região pretendida para instalação do projeto Fosfato Três Estradas é de cabeceira do rio Santa Maria, e fica há cerca de 10 km das cabeceiras do rio Camaquã. A definição das áreas de impacto no EIA-RIMA desconsiderou as dinâmicas ecológicas, hídricas e socioculturais desta biorregião, sendo extremamente reduzida.

– O EIA-RIMA do Projeto Fosfato Três Estradas desconsiderou totalmente a presença de Povos e Comunidades Tradicionais, de assentamentos da reforma agrária e de comunidades urbanas e rurais da região, e daquelas que vivem ou dependem dos recursos hídricos ao longo das Bacias dos rios Santa Maria, Camaquã e Negro e ao longo dos rios a jusante, como o rio Ibicuí.

– O projeto Fosfato Três Estradas pretende se instalar muito próximo ao divisor de águas das Bacias Hidrográficas Santa Maria, Camaquã e Negro. Juntas, estas BHs compreendem 33 municípios onde existe grande concentração de Povos e Comunidades Tradicionais. São 31 áreas de Povos Indígenas, 57 Comunidades Quilombolas, 22 coletivos de Pescadoras e Pescadores Artesanais, mais de 500 famílias de Pecuaristas Familiares, mais de 60 mil domicílios autodeclarados de Povos Tradicionais de Matriz Africana/ Povo de Terreiro, mais de 2 mil pessoas autodeclaradas do Povo Pomerano, rotas de passagem do Povo Cigano, Benzedeiras e Benzedores. Além de 124 Assentamentos da Reforma Agrária, com mais de 4 mil famílias.

– Os direitos de Povos e Comunidades Tradicionais, de agricultoras e agricultores familiares e de comunidades locais presentes na região não estão sendo observados, conforme determina a Constituição Federal de 1988, o Decreto 6040/2007 (Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais), a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos da ONU e a Convenção nº 169/1989 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que prevê o processo de consulta específica, livre, prévia e informada junto aos Povos e Comunidades Tradicionais.

Estas são algumas das informações apresentadas nas 164 páginas e anexos do Manifesto, que apontam de forma fundamentada para processos conduzidos – pelo poder público e pelas empresas de mineração – de forma arbitrária, não transparente, anti-democrática e sem participação da sociedade civil, das comunidades locais e dos Povos e Comunidades Tradicionais. O projeto apresenta potencial de graves impactos no modo de vida das comunidades locais, nas suas identidades socioculturais, nos seus territórios e na biodiversidade. O Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa e a FLD solicitam providências ao MPF .

Abaixo, o Manifesto sobre o Projeto Fosfato Três Estradas e os anexos para download.