“Povos e Comunidades Tradicionais são grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição”. Assim define o Decreto 6.040, de 2007, e assim são as características do POVO DOS PERAUS!
Durante os dias 16 e 17 de novembro, o POVO DOS PERAUS esteve reunido em Morro Agudo, município de Cambará do Sul (RS), em uma atividade promovida por meio de sua própria organização social, com apoio do Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa. O Encontro contou com a assessoria de Roberto Martins de Souza, do Instituto Federal do Paraná (IFPR) – Campus Paranaguá e integrante do Núcleo de Defesa dos Direitos de Povos e Comunidades Tradicionais (NUPOVOS), que também assessora a Rede Puxirão, uma articulação entre diferentes identidades socioculturais de Povos e Comunidades Tradicionais presentes no estado do Paraná.
O autodenominado POVO DOS PERAUS é uma comunidade que resiste para manter sua identidade, seu modo de vida e seu território tradicional, fatores diretamente responsáveis pela conservação da paisagem e das características da região ao longo do tempo. “Territórios Tradicionais são os espaços necessários à reprodução cultural, social e econômica dos povos e comunidades tradicionais, sejam eles utilizados de forma permanente ou temporária”, define o Decreto 6.040/07, e assim é a relação do POVO DOS PERAUS com aquele território.
Em 1959, o território tradicional do POVO DOS PERAUS foi sobreposto por uma Unidade de Conservação (UC) de proteção integral, o Parque Nacional de Aparados da Serra, iniciando um processo de deslocamento e expulsão da comunidade. Por conta disso, muitas famílias não residem mais fisicamente naquele território, mas mantém um vínculo identitário com a comunidade e com seu território tradicionalmente ocupado. A gestão do Parque é feita pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), porém, recentemente, a exploração de serviços de visitação foi transferida à iniciativa privada, o que agravou ainda mais as restrições diretas e indiretas impostas à comunidade, aprofundando as violações de direitos.
Se o processo de criação, gestão e privatização do Parque desconsiderou os direitos ao modo de vida, ao território tradicional e à consulta prévia, livre e informada, conforme rege a Constituição Federal, o Decreto 6.040 e a OIT 169, apostando em uma apagamento desta comunidade, o Encontro demonstrou o contrário: que o processo de resistência ao longo de décadas fortaleceu sua identidade, seu modo de vida, seu sentimento de coletividade e pertencimento e a certeza de que há marcos legais que devem ser respeitados. As pessoas participantes puderam apreciar a culinária típica, o artesanato, os objetos utilizados no seu cotidiano e nas lidas no campo, os relatos de histórias e memórias, além de participar de um dos festejos típicos: a serenata.
Participaram do Encontro em apoio ao POVO DOS PERAUS, representantes da sociodiversidade do sul do Brasil: Povos Indígenas Mbya-Guarani, Kaingang e Laklãnõ-Xokleng, Kilombolas, Povo Cigano, Pecuaristas Familiares Tradicionais do Pampa; representantes de organizações de apoio, como a Fundação Luterana de Diaconia (FLD), que contribuíram com a viabilização da atividade; além de representantes de universidades e de organizações locais. O Encontro possibilitou muitas trocas culturais que incluem estratégias de resistência e reivindicação de direitos coletivos.
Ao final do Encontro, as pessoas participantes assinaram uma Carta em apoio ao POVO DOS PERAUS, reconhecendo esta comunidade tradicional como legítima ocupante do seu território tradicional, hoje sobreposto por uma UC, e que sofre com a invisibilidade e desrespeito a seus direitos, assim como os demais Povos e Comunidades Tradicionais do sul do Brasil.