As vozes dos Povos e Comunidades Tradicionais do Bioma Pampa estão no cinema e foram premiadas: o documentário Sobreviventes do Pampa, produzido pela Atama Filmes sob a direção de Rogério Rodrigues, recebeu o prêmio de melhor filme do júri popular da Mostra Competitiva do 51º Festival de Cinema de Gramado na categoria Longas-Metragens Gaúchos.
A premiação ocorreu na noite de sábado, dia 19, em Gramado (RS). Fernando Aristimunho e Mariglei Dias de Lima, representantes do Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa, participaram da cerimônia de entrega dos Kikitos.
“Muita gratidão por estar celebrando essa conquista de uma escolha popular. O Pampa como bioma ainda existe e só existe porque nós, Povos e Comunidades Tradicionais, resistimos e cuidamos desse bioma como terra, como nossa casa.”, afirmou Fernando. O pecuarista familiar dedicou o prêmio à Mãe Bernadete, mulher negra, liderança kilombola e Yalorixá, assassinada na noite de quinta-feira, dia 17, no Kilombo Pitanga dos Palmares, na Região Metropolitana de Salvador (BA). “Que sua ancestralidade abençoe, ensine a todos os biomas e a todos os povos desse Brasil”.
Leia a nota de repúdio à morte de Mãe Bernadete.
Ele também dedicou à Maria de Castro Fernandes, mulher negra, kilombola e benzedeira que ancestralizou durante a pandemia e é capa do livro “Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa”.
Mariglei disse estar emocionada por receber o prêmio enquanto mulher preta, kilombola, pobre, mãe solo, rural e sem-terra. “Esse Kikito é também para os Povos Tradicionais da Pampa. É resistência para tantas Dandaras, para tantas Marielles e tantas Bernadetes que pedem justiça. Esse Kikito é luta de muitas ancestralidades”.
Em sua fala de agradecimento, o diretor Rogério lembrou que o Bioma Pampa está sendo destruído de forma silenciosa e pediu que se faça algo antes que haja seu desaparecimento, bem como de suas identidades sociais. “O filme ajuda a pensar e refletir que bioma cada pessoa pertence, quem são as pessoas que habitam o bioma de vocês? Descobrimos a Pampa que a gente não conhecia”.
Estreia do filme
Sobreviventes do Pampa foi exibido na quinta-feira, dia 14, no Palácio dos Festivais. Mais de 30 lideranças comunitárias de Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa e de assentamentos da reforma agrária acompanharam a estreia do documentário e subiram ao palco com suas bandeiras de luta e, em diversas vozes, ecoaram: “Pela defesa da Pampa, seus povos se levantam”.
“A pampa é diversa, a Pampa tem gente. A Pampa precisa de escuta e precisa de cuidado. A monocultura está, cada vez mais, nos expulsando, cada vez mais fazendo a gente perder nossos fazeres e saberes, passados de geração pra geração”, denunciou Mariglei. Na ocasião, Fernando também fez sua denúncia: “A partir dos nossos sistemas agrícolas e tradicionais, estamos cuidando da água, da terra e das matas, quando do outro lado o Estado brasileiro flexibiliza a legislação para explorar esse bioma.”
Santiago Franco, cacique Guarani Mbya da Terra Indígena Yvypoty, localizada em Barra do Ribeiro (RS), lembrou que é preciso fortalecer e preservar a natureza. “Não precisamos destruir mais, vivemos da água limpa, da terra sem poluir. Nhanderu está aqui para nós, indígenas, também falarmos da nossa história, nossa vida, nossa terra”.
O grupo que esteve em Gramado promoveu uma Mostra Cultural no local “Caminho da Cidadania”, com exposição e comercialização de artesanatos e produtos da sociobiodiversidade do Bioma Pampa. A iniciativa teve o apoio da Fundação Luterana de Diaconia (FLD) e do Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental (FMCJS).
Sobreviventes do Pampa
O documentário conta histórias dos povos e comunidades tradicionais do Pampa, apresentando a sociobiodiversidade do bioma e as ameaças à sua existência devido à sua acelerada degradação. A maioria das histórias é relatada por pessoas de comunidades tradicionais que integram o Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa e que, pelos seus usos e modos de vida, cuidam e preservam os ecossistemas que compõem o bioma.
O filme é um mosaico de 35 entrevistas, sendo 28 delas com pessoas do campo, em que se apresenta um recorte dos diferentes olhares dessas singulares identidades sociais. Entre elas: pecuaristas familiares, comunidades quilombolas, povos indígenas e agricultoras e agricultores familiares de assentamentos da reforma agrária. O documentário ainda conta com a participação de sete renomadas pesquisadoras e renomados pesquisadores com trabalhos de pesquisa relacionados à sociobiodiversidade do Bioma Pampa.
O longa-metragem foi rodado no interior de 13 municípios gaúchos do Bioma Pampa: Alegrete, Bagé, Barra do Ribeiro, Dom Pedrito, Eldorado do Sul, Porto Alegre, Quaraí, Santa Maria, Sant’Ana do Livramento, São Borja, São Miguel das Missões, Tapes e Uruguaiana.
Assista ao trailer abaixo.
O filme Sobreviventes do Pampa foi contemplado no Edital SEDAC 05/2019 FAC Pró-Cultura RS, promovido pela Secretaria da Cultura do Estado do Rio Grande do Sul, onde foi classificado em 1º lugar na finalidade Produção de Longa-metragem.