
Audiência pública discutiu impactos dos agrotóxicos em Bagé
No dia 6 de outubro o Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos (FGCIA) promoveu, em Bagé, RS, uma audiência pública sobre os impactos dos agrotóxicos. O Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos é uma iniciativa multidisciplinar composta por 78 instituições que atuam na articulação de ações voltadas à proteção da saúde da população e dos recursos naturais frente aos riscos associados ao uso de agrotóxicos.
A coordenação do Fórum é do procurador do Trabalho Noedi Rodrigues da Silva do Ministério Público do Trabalho (MPT), com participação da procuradora de Justiça Ana Maria Moreira Marchesan, coordenadora do Centro de Apoio Operacional de Defesa do Meio Ambiente (CAOMA) do Ministério Público do Estado do RS (MPRS), das procuradoras da República Ana Paula Carvalho de Medeiros e Suzete Bragagnolo do Ministério Público Federal (MPF/RS), e do engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo, representante da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA).
A audiência contou ainda com o apoio da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA) campus Dom Pedrito, Conselho Municipal de Defesa ao Meio Ambiente (COMDEMA), Cooperativa Agroecológica Nacional Terra e Vida (COONATERRA), Associação para Grandeza e União de Palmas (AGrUPa), Aliança Pela Fruticultura Gaúcha, ECOARTE e Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa.
A audiência reuniu representantes da sociedade civil, instituições públicas e especialistas para ouvir denúncias, compartilhar informações e propor encaminhamentos sobre os impactos dos agrotóxicos nos municípios de Aceguá, Bagé, Candiota, Dom Pedrito, Hulha Negra, Lavras do Sul, Piratini, Rosário do Sul, Santana do Livramento e São Gabriel.
A denúncia sobre os impactos dos agrotóxicos acompanha a trajetória do Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa
O Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa participou da audiência pública sobre os impactos dos agrotóxicos, com a palestra “Basta de contaminação, queremos nossos territórios como zonas livres de veneno!” proferida pela kilombola de Ibicuí da Armada, em Santana do Livramento, Maria Leci Vieira. O pecuarista familiar tradicional do Pampa, Fernando Aristimunho, integrante do Comitê e da equipe da Fundação Luterana de Diaconia (FLD), também participou da audiência pública.
Em sua fala, Maria Leci relatou a violação de direitos na sua comunidade:
“Tem lavoura que planta 130, 150 hectares (ha) de terra ao lado de uma comunidade que tem 10 a 15 ha para poder plantar seu quintalzinho de pêssego, pra fazer passa pra Semana Santa, que é a época que a gente vende, e hoje não se consegue produzir porque estão pulverizando com os aviões, e não se suporta o cheiro de veneno. E quando colocam veneno na soja, a gente perde 7 a 8 galinhas, e aí ninguém é responsável por isso?“
Na ocasião o Comitê também fez a entrega do Mini-Dossiê: “O impacto dos agrotóxicos nos territórios tradicionais do Pampa: relatos colhidos ao longo da trajetória dos 10 anos do Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa.”
Mini-Dossiê: O impacto dos agrotóxicos nos territórios tradicionais do Pampa – Relatos colhidos ao longo da trajetória dos 10 anos do Comitê
Em um trabalho preparatório à audiência pública, o Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa revisitou um grande e criterioso conjunto de entrevistas e depoimentos de centenas de representantes de povos e comunidades tradicionais, a partir de suas próprias realidades, contextos e vivências, em cerca de 40 municípios do bioma Pampa, coletadas, sistematizadas e divulgadas ao longo de 10 anos, por meio de diferentes publicações e documentos, a maioria deles, produzidos pelo próprio Comitê e disponibilizados em seu site.
O Comitê compilou estas manifestações em um Mini-Dossiê, cujas cópias foram entregues para representantes do Ministério Público do Estado do RS (MPRS), do Ministério Público Federal (MPF/RS), do Ministério Público do Trabalho (MPT), que integram e coordenam o Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos (FGCIA), durante a audiência pública.
No Mini-Dossiê foram reunidos depoimentos sobre a temática dos agrotóxicos na relação com o racismo ambiental e estrutural, que constam no LIVRO “Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa” o qual entrevistou 170 pessoas de 33 comunidades tradicionais em 21 municípios do bioma Pampa entre os anos 2015 e 2016; depoimentos que constam no VÍDEO “Pampa, memórias e saberes do nosso lugar” de 2018 que entrevistou pessoas de comunidades tradicionais em cerca de 15 municípios do Pampa; depoimentos que constam em MANIFESTOS frente às violações de direitos, elaborados pelo Comitê em 2019; depoimentos que constam no VÍDEO “Sobreviventes do Pampa” da Atama Filmes, com participação de diversas lideranças que integram o Comitê e que foi consagrado melhor longa gaúcho pelo júri popular no Festival de Cinema de Gramado, em 2023, onde fez sua estreia; depoimentos ao longo do CURSO de Operadoras e Operadores de Direitos Étnicos e Coletivos, com enfoque Kilombola, promovido pelo Comitê entre 2024 e 2025 e que gerou um documento final assinado por 20 comunidades kilombolas do Pampa. O Mini-Dossiê também considerou depoimentos de uma REUNIÃO de escuta de povos e comunidades tradicionais, com a temática dos agrotóxicos, preparatória à audiência pública do dia 06/10/2025, em Bagé, RS, sobre o impacto dos agrotóxicos, promovida pelo Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos.
O impacto dos agrotóxicos é uma das violações de direitos que afetam os povos e comunidades tradicionais há muitos anos, e que apenas tem se agravado, com o avanço da degradação do bioma e a falta de regularização dos territórios tradicionais.
“Onde tem um pouquinho de mata, é na nossa aldeia, o resto está tudo soja.” Povo Indígena, 2015
“Agora tô sempre filtrando água. Antes não! Antes quando tava campereando, apeava do cavalo e pegava água da sanga. Ainda pego, mas é perigoso!” Pecuarista Familiar Tradicional do Pampa, 2019
“Aqui na frente da minha casa eles colocam veneno de avião, e nos dias que eles colocam, tem que fechar tudo, e o cheiro é insuportável, dentro de casa.” Kilombola, 2023
“Agora começa a plantação de arroz, e daqui um mês começa a aplicação de veneno. E estamos entrando na piracema, que vai até 30 de janeiro. E bem nessa época é o defeso. O problema é que quando acaba o defeso e abre pra gente pescar, é bem quando começam a colher o arroz e esgotam as lavouras. Daí pode ´levantar acampamento` que não dá mais nada, porque é uma água suja e lamacenta, cheia de agrotóxico. E é bem quando precisamos do peixe pra Semana Santa.” Pescador Artesanal, 2025
O racismo ambiental e a falta de territórios tradicionais demarcados: pano de fundo para compreender o impacto dos agrotóxicos junto aos Povos e Comunidades Tradicionais
O racismo ambiental no bioma Pampa, diz respeito sobre quem são e onde estão, as pessoas e comunidades que não tem terra e território garantidos; que vivem sob ameaça constante de grandes empreendimentos, do avanço das lavouras de soja, arroz, fumo e da silvicultura; que (sobre)vivem com insegurança hídrica, nutricional e territorial e que sentem mais constantemente e intensamente os impactos dos agrotóxicos e da emergência climática. Quem são? Qual a cor de seus corpos? Que costumes tem? Que língua falam? Como vivem? Onde estão?
“O que está nos tirando dos nossos territórios são as monoculturas, os agrotóxicos, a soja, os eucaliptos. (…) as nossas águas estão contaminadas, os nossos animais são contaminados, o nosso pasto é contaminado“. Kilombola, 2024
“Essa contaminação, por essas porcarias, matou meu pai, de câncer de esôfago. Meu pai trabalhava nas granjas, tomava água da sanga, água contaminada. E aconteceu com outros parentes que trabalhavam todos juntos nas granjas e engenhos, morreram de câncer. Detalhe: eram todos pretos!” Povo Tradicional de Matriz Africana/ Povo de Terreiro, 2025
Os povos e comunidades tradicionais são protetores dos campos, das águas, florestas, faunas e floras. Entretanto, o racismo ambiental, vivenciado há séculos por estas comunidades, também no Pampa, tem impedido sua permanência nos seus territórios tradicionais, negado seus direitos étnicos e territoriais, inviabilizado seus modos de vida, prejudicado suas atividades econômicas e degradado as condições ambientais do bioma Pampa.
“Toda espécie de árvore é especial para nós, mas o campo também é importante porque é uma composição da natureza. (…) Nós temos que cuidar, é uma responsabilidade de todo mundo.” Povo Indígena, 2015
“Somos nós, povos e comunidades tradicionais, que defendemos o território. Se esse território tá limpo é porque nós conservamos!” Kilombola, 2025
As violações de direitos sofridas por povos e comunidades tradicionais no Pampa são cotidianas, incluindo os impactos sofridos pelo uso dos agrotóxicos, com contaminação do ar, solo e água, dos cultivos e criações, afetando diretamente a saúde física, emocional e espiritual das comunidades. Entretanto, o racismo ambiental e estrutural segue promovendo, silenciando e invisibilizando estas situações.
“Como vou depositar um axé numa água contaminada? Não vai ser bom pro Orixá nem pra mim.” Povo Tradicional de Matriz Africana/ Povo de Terreiro, 2025
Territórios tradicionais como zonas livres de agrotóxicos
Ao final da audiência pública a mesa manifestou apoio com relação à proposta de criação de zonas de exclusão de pulverização de agrotóxicos em territórios onde vivem populações tradicionais e a regularização dessas áreas, sendo mencionada a Convenção 169 da OIT, a qual orienta o Ministério Público a ser proativo na defesa dessas populações.
Manifestações discriminatórias, racistas e capacitistas
Representantes do agronegócio marcaram sua presença com manifestações discriminatórias, racistas e capacitistas contra participante kilombola e pessoa com deficiência, durante a audiência. Tais situações foram denunciadas à mesa e foi solicitado aos Ministérios Públicos que integram a coordenação do Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos (FGCIA) providencias em relação à estes casos, bem como a necessidade da elaboração de um regimento das audiência públicas do Fórum, orientando sobre os procedimentos frente à manifestações discriminatórias e que violem direitos.
Fonte: MPRS



