Relatoria da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) publica recomendações após inundações no RS

Relatoria da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) publica recomendações após inundações no RS
In Notícias

Assim como muitas organizações e movimentos sociais do Rio Grande do Sul (RS), o Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa em conjunto com a Fundação Luterana de Diaconia (FLD), também apresentou Petição à Relatoria Especial para os Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (REDESCA) da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em dezembro de 2024, por ocasião da missão liderada pelo Relator Especial Javier Palummo Lantes.

A pauta principal do Comitê tem sido a defesa dos direitos, em especial o direito aos territórios tradicionais, violados constantemente pelas políticas de ordenamento territorial e megaprojetos, temática que também é destacada pelo Relatório:

“A REDESCA destaca que a regularização fundiária é uma demanda central para povos indígenas, comunidades quilombolas e pessoas trabalhadoras rurais no Brasil, sendo um elemento fundamental para a garantia de seus direitos territoriais e modos de vida. A titulação dos territórios quilombolas, a demarcação das terras indígenas e a implementação da reforma agrária são reivindicações prioritárias dessas comunidades, conforme identificado nas reuniões realizadas durante a visita ao Rio Grande do Sul.” (parágrafo 171/ pág 46_ Relatório REDESCA_ CIDH_2025)

CIDH – Comunicado de Imprensa – Washington, DC*

A Relatoria Especial sobre Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (REDESCA) da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) publica o relatório “Impactos das inundações no Rio Grande do Sul: observações e recomendações para a garantia dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais”. O documento apresenta observações e recomendações dirigidas ao Estado brasileiro, com base na visita de trabalho realizada entre os dias 2 e 6 de dezembro de 2024, após uma das maiores tragédias socioambientais da história recente do país.

Durante a missão, liderada pelo Relator Especial Javier Palummo Lantes, a equipe da REDESCA reuniu-se com autoridades, movimentos sociais, lideranças comunitárias, membros da comunidade científica e visitou comunidades diretamente afetadas pelas inundações. As atividades incluíram reuniões e visitas técnicas em Brasília, Porto Alegre, Eldorado do Sul e na região do Vale do Taquari, incluindo os municípios de Estrela e Lajeado. O principal objetivo foi documentar os impactos da tragédia sobre os direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais (DESCA), com ênfase especial na resposta emergencial, nas ações de mitigação, nos processos de reconstrução e nas estratégias de adaptação às mudanças climáticas.

A Relatoria Especial destaca que mais de 2,3 milhões de pessoas foram afetadas pelas inundações ocorridas entre abril e maio de 2024, que resultaram em 183 mortes confirmadas, 27 pessoas desaparecidas, cerca de 800 feridas e milhares de famílias deslocadas. O relatório evidencia a desproporcionalidade dos impactos sobre grupos em situação de maior vulnerabilidade, incluindo meninas e mulheres, pessoas afrodescendentes, povos indígenas e comunidades tradicionais, pessoas com deficiência, pessoas idosas, população LGBTQIA+, migrantes e refugiados, bem como trabalhadores e trabalhadoras rurais e informais.

A Relatoria Especial reconhece os esforços do Estado brasileiro na resposta à tragédia, entre eles a mobilização de recursos financeiros, a criação de estruturas de gestão da crise, a ampliação de programas sociais, o apoio a municípios em estado de calamidade e a implementação de ações coordenadas entre os níveis federal, estadual e municipal, em articulação com a sociedade civil e organismos internacionais. Destacam-se, em particular, as ações de resgate, a rapidez na organização da assistência humanitária, a reconstrução da infraestrutura e o apoio prestado à população afetada como elementos fundamentais para mitigar os danos imediatos da catástrofe.

Com base nas informações coletadas durante a visita e na análise dos dados disponíveis, o relatório identifica falhas estruturais que podem ter contribuído para a magnitude dos impactos sobre os DESCA, entre elas a degradação ambiental, a expansão do agronegócio, o enfraquecimento da legislação ambiental, a falta de manutenção dos sistemas de contenção de enchentes e o crescimento urbano com baixa resiliência ambiental.

Diante desse cenário, a REDESCA reafirma a urgência de que o Estado brasileiro consolide a justiça climática como princípio orientador de suas políticas públicas, fortalecendo as medidas de prevenção, adaptação e resposta a desastres com base nos direitos humanos. Isso implica reverter retrocessos em matéria ambiental, garantir o acesso a informações confiáveis e combater a desinformação, assegurar a participação efetiva das comunidades afetadas —incluindo a consulta livre, prévia e informada aos povos indígenas e comunidades tradicionais— e adotar políticas inclusivas que reconheçam e enfrentem os impactos diferenciados sofridos por grupos historicamente marginalizados.

O relatório destaca os impactos da tragédia climática sobre trabalhadores e trabalhadoras de diversos setores, em especial aqueles em situação de informalidade, como pessoas que atuam na pesca artesanal, na coleta de materiais recicláveis, no trabalho por aplicativos e na produção artesanal, que enfrentaram perda de renda e ausência de proteção social. Também foram observados efeitos severos sobre comunidades rurais, povos indígenas e quilombolas, incluindo o aumento da insegurança alimentar. A REDESCA recomenda o avanço na titulação de territórios quilombolas, na reforma agrária e na demarcação de terras indígenas, ao mesmo tempo em que rejeita de forma categórica a tese do “marco temporal”.

Outro aspecto crítico apontado pela REDESCA é a violação do direito humano à água, comprometido como consequência das inundações. O transbordamento de esgotos e a contaminação de fontes hídricas por substâncias químicas e biológicas — incluindo agrotóxicos — afetaram seriamente rios, lagos e aquíferos, gerando riscos significativos para a saúde pública. A Relatoria Especial alerta para as ameaças sanitárias decorrentes dessa situação e sublinha a urgência de adoção de medidas estruturais de resiliência e prevenção.

A Relatoria Especial destaca a urgência de implementar medidas estruturais para prevenir novos desastres no Rio Grande do Sul, fundamentadas nos princípios da justiça climática e dos direitos humanos. Entre as principais recomendações estão a modernização dos sistemas de monitoramento hidrológico e alerta precoce, o fortalecimento das infraestruturas de drenagem pluvial e de contenção de enchentes, bem como a revisão e efetiva implementação dos planos diretores e de gestão de riscos, assegurando uma participação social ampla e significativa. A Relatoria também propõe a adoção de Soluções Baseadas na Natureza (SbN), com a expansão de infraestruturas verdes — como parques urbanos, telhados verdes e corredores ecológicos — e azuis — como áreas úmidas, sistemas de drenagem natural e recuperação de margens de rios —, em articulação com a comunidade científica, autoridades locais e populações afetadas.

A REDESCA agradece ao Estado brasileiro por sua abertura e colaboração durante a visita de trabalho e no contexto deste relatório, reafirmando que eventos climáticos extremos, como os ocorridos no Rio Grande do Sul, são também reflexo de fragilidades sociais e institucionais que exigem respostas articuladas e baseadas nos direitos humanos. A Relatoria Especial destaca especialmente o apoio do Ministério das Relações Exteriores, da Missão Permanente do Brasil junto à Organização dos Estados Americanos (OEA), do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), da Defensoria Pública da União (DPU), do Ministério Público Federal (MPF) e de outros órgãos públicos, bem como a valiosa participação de organizações da sociedade civil e comunidades afetadas, cujas contribuições foram essenciais para este relatório.

A Relatoria Especial reconhece os esforços empreendidos pelo Estado brasileiro durante as inundações de 2024 e enfatiza que a garantia efetiva dos direitos humanos frente às mudanças climáticas requer o fortalecimento das medidas preventivas, da participação social e do compromisso com práticas sustentáveis e equitativas. Nesse sentido, a REDESCA reafirma seu compromisso com a promoção e proteção dos direitos humanos diante da emergência climática, e coloca-se à disposição para oferecer cooperação técnica, inclusive com a possível ativação de um mecanismo especial de acompanhamento, com o objetivo de monitorar e fortalecer as ações voltadas à proteção dos DESCA frente aos impactos das mudanças climáticas.

A Relatoria Especial sobre Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais é uma relatoria criada pela CIDH com o objetivo de fortalecer a promoção e proteção dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais no continente americano, liderando os esforços da Comissão nessa matéria.

* Fonte: CIDH