Relatório que apontou queda no desmatamento do bioma admite limitação para avaliar campos, mas Governo do Estado vangloria-se de um suposto sucesso da sua política ambiental
Foto: Eliminação de campos nativos em Bagé (RS) para cultivo de soja. Foto: Ibama / Divulgação
Coalizão pelo Pampa (*)
O Relatório Anual do Desmatamento no Brasil 2024, coordenado pelo Projeto MapBiomas e divulgado em maio desse ano, aponta que, em 2024, o desmatamento no Brasil diminuiu em mais de 30% em comparação com 2023 e que, pela primeira vez, todos os biomas apresentaram redução na área desmatada, com exceção da Mata Atlântica.
O relatório chama a atenção, já nas suas primeiras páginas, que “As reduções observadas em biomas com ecossistemas campestres, principalmente o Pampa (redução de 42%), são atribuídas às áreas de florestas, pois sistemas de detecção de supressão de campos nativos ainda precisam ser aprimorados e integrados ao MapBiomas Alerta”. Tal advertência tem uma razão muito simples: o Bioma Pampa, restrito a uma área que corresponde a 69% do território do Rio Grande do Sul, possui vegetação predominantemente de campo, atualmente com 32% de cobertura campestre e apenas 12% de cobertura florestal.
Portanto, o que o MapBiomas nos avisa, em última análise, é que os dados precisam ser interpretados com a devida cautela e que a queda nos alertas de desmatamento que seu sistema consegue detectar no Pampa não pode ser confundida com evidência de diminuição nas taxas de perda da vegetação campestre que compõe a maior parte do Bioma.
Outro conjunto de dados fornecido pelo próprio MapBiomas, os mapas anuais de uso e cobertura do solo, mostram que, no RS, cerca de 140 mil hectares de vegetação nativa campestre foram perdidos a cada ano, entre 2012 e 2023, em grande parte pela conversão em monoculturas agrícolas, sobretudo da soja, e não há nenhuma evidência de que isso tenha sido alterado significativamente em 2024. Muito pelo contrário: a negligência na aplicação da Lei da Vegetação Nativa às formações campestres e as recorrentes investidas de setores econômicos visando fragilizar as normas e o licenciamento ambientais, bem como a fragilidade dos instrumentos de fiscalização e controle, têm aumentado a vulnerabilidade do campo nativo no estado. A descaracterização do Código Estadual de Meio Ambiente do RS, promovida pelo atual Governador de forma açodada e sem debate com a sociedade, é um exemplo claro disso.
Tal situação tem levado a uma rápida e notória degradação das paisagens naturais do Pampa, com perda da biodiversidade e do potencial de desenvolvimento sustentável da região, comprometendo os serviços ambientais proporcionados pela vegetação campestre, inclusive na sua função de atenuar as mudanças climáticas e os desastres meteorológicos.
Portanto, devagar com o andor: ao contrário do que foi alardeado na imprensa e demais mídias, os números divulgados pelo MapBiomas estão longe de atestar o sucesso das políticas públicas do Governo gaúcho, ou de demonstrar valorização de boas práticas ou de diálogo democrático e relação transparente com diferentes setores da sociedade.
Organizações não governamentais, redes de pesquisadores, povos e comunidades tradicionais, servidores públicos de órgãos ambientais, entre outros setores da sociedade preocupados com a conservação do Pampa, seguem reivindicando:
. participação efetiva na construção de políticas públicas e projetos governamentais estratégicos;
. cumprimento e regulamentação da legislação ambiental vigente para a proteção do bioma;
. valorização das cadeias produtivas sustentáveis;
. planejamento da ocupação e uso do solo;
. promoção do turismo sustentável como ferramenta de valorização dos territórios tradicionais;
. efetivação dos processos de regularização e proteção dos territórios tradicionais;
. desenvolvimento de ações de fortalecimento da autonomia das comunidades em relação à sustentabilidade de seus territórios;
. implementação de políticas públicas de comunicação sobre os campos nativos;
. adoção de ações de fiscalização da supressão ilegal de campos nativos pelos órgãos competentes.
(*) Coalizão pelo Pampa é formada por:
➢ Associação dos Funcionários da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul – AFFZB
➢ Associação dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente e do Plano Especial de Cargos do IBAMA-PECMA no Estado do Rio Grande do Sul – ASIBAMA-RS
➢ Associação dos Servidores da FEPAM – ASFEPAM
➢ Associação dos Servidores da Secretaria de Meio Ambiente e Infraestrutura do Estado do RS – ASSEMA/RS
➢ Associação Amigos do Meio Ambiente de Guaíba – AMA-Guaíba
➢ Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural – Agapan
➢ Associação para Grandeza e União de Palmas – AGrUPa
➢ Centro de Estudos Ambientais – CEA
➢ Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa
➢ Ecos do Pampa-UERGS
➢ Grupo de Estudos Frutifica-Ação/UERGS
➢ Grupo Tecnologia, Meio Ambiente e Sociedade TEMAS/UFRGS
➢ IGRÉ-Associação Sócio-Ambientalista
➢ Instituto Curicaca
➢ Instituto de Conservação Eco dos Campos
➢ Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais – INGÁ
➢ Núcleo de Ecojornalistas do Rio Grande do Sul – NEJ-RS
➢ Núcleo de Estudos e Pesquisas em Recuperação de Áreas Degradadas – NEPRADE/UFSM
➢ Rede Campos Sulinos
➢ Rede Sul de Restauração Ecológica
➢ Sindicato dos Empregados em Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas e de Fundações Estaduais do Rio Grande do Sul – SEMAPI RS
➢ Sindicato dos Servidores de Nível Superior do Poder Executivo do Rio Grande do Sul-SINTERGS
➢ UPP Camaquã – União pela Preservação do Rio Camaquã