POR ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DA FURG
O Campus São Lourenço do Sul da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) foi palco da exibição exclusiva do documentário Sobreviventes do Pampa no último dia 14.
A iniciativa, proposta pela professora Patrícia Lovatto, contou com a colaboração dos cursos de Licenciatura em Educação do Campo (Ledoc) e Agroecologia. O evento reuniu um público diverso, incluindo estudantes e egressos de todos os cursos do campus, professores da educação básica, quilombolas, pescadores, extensionistas e membros da comunidade local.
Os participantes conheceram a diversidade socioambiental da região e a grave situação de degradação ambiental no bioma Pampa por meio do olhar de comunidades remanescentes de quilombolas, agricultores familiares de assentamentos da reforma agrária, povos indígenas, pecuaristas, empresários e produtores rurais.
“Cumpriu seu propósito de que é preciso conhecer para conservar. O documentário apresenta as potencialidades naturais e as vozes dos povos e comunidades tradicionais da Pampa, secularmente silenciadas ou não consideradas. E isso, também tem haver com a forma como produzimos conhecimento acadêmico e como conduzimos a ciência e os caminhos para o desenvolvimento dos territórios. A dinâmica expansiva do agronegócio tem degradado os ecossistemas, reproduzindo um padrão de ocupação que vem impossibilitando a reprodução social, cultural e econômica das pessoas da Pampa”, afirmou Patrícia.
Dirigido por Rogério Rodrigues, com direção de fotografia de Lívia Pasqual, o documentário estreou no Festival de Cinema de Gramado 2023, onde foi premiado com o Kikito de Melhor Longa-Metragem Gaúcho pelo júri popular. Desde então, participou de eventos como o 14º Festival Internacional de Cinema da Fronteira em Bagé, teve sua estreia europeia no London Director Awards 2024, integrou a seleção oficial do Rome Prisma Film Awards e do 32º Ecocine – Festival Internacional de Cinema Ambiental e Direitos Humanos.
Após a exibição, ocorreu um debate com Mestre Pretto, técnico do Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia (CAPA/FLD) e membro do Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa, e a Yalorixá Zuleica D’Oxalá, dirigente do Centro Africano Oxalá Dakun. Ambos reforçaram a importância de iniciativas como essa para fortalecer as lutas em defesa do bioma e suas comunidades tradicionais.
Para Mestre Pretto, o momento foi um espaço único e significativo, especialmente para aqueles que participaram das gravações. Como membro gestor do Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa e remanescente de quilombo, ele reforçou seu papel como guardião do bioma, de sua biodiversidade e defensor do território.
“Abrir este diálogo para comunidade universitária e lourenciana foi muito importante para que a gente leve para a comunidade local e do Rio Grande do Sul esses conhecimentos, para que possamos ter mais aliados na luta em defesa da nossa pampa. Temos muitas riquezas, como os povos tradicionais com seus costumes e tradições, que não se modelam apenas através daquele modelo colonizador que os meios de publicidade mostram quando se fala da Pampa, como o gaúcho de bota e bombacha, a cavalo e homem. Nós estamos falando de mulheres que doam sua vida para cuidar da Pampa, mulheres que também fazem e mantêm as práticas culturais, na criação de animais e nas plantações, hortas, lavouras e na conservação das sementes tradicionais”, compartilhou.
A exibição do documentário na FURG, diante de alunos, professores e da comunidade, reforçou o sentimento de dever cumprido, segundo Yalorixá.
“Representamos, em nome do Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa, oito segmentos de sobreviventes da destruição do bioma Pampa; essa denúncia contra as mineradoras, os grandes pecuaristas e o agronegócio precisava ser conhecida e reconhecida para que juntos possamos engrossar as fileiras do ‘não ao descaso’. A Pampa somos todos nós, e precisamos salvar nossas águas, nossa flora e fauna tão ameaçadas de extinção. ‘Sobreviventes do Pampa’ foi um grito de socorro que será ouvido por muitos de nós”, frisou.
Clodoaldo de Freitas Vargas, pescador artesanal nascido e criado na Laguna dos Patos e formando do curso de Licenciatura em Educação do Campo, destacou a pesca artesanal como uma atividade que vai além da subsistência, representando uma tradição que conecta gerações. Contudo, ele alertou para os desafios enfrentados pela prática.
“O futuro da pesca artesanal no Rio Grande do Sul depende de um equilíbrio delicado entre a preservação ambiental e o fortalecimento da economia local. É fundamental a implementação de políticas públicas mais eficazes para apoiar os pescadores artesanais, garantindo, ao mesmo tempo, a proteção das áreas pesqueiras e das espécies marinhas das quais eles dependem. Além disso, uma alternativa viável seria o incentivo à criação de peixes em sistemas de tanques-rede ou tanques elevados, oferecendo uma fonte adicional de renda e ajudando a diversificar a atividade, além de reduzir a pressão sobre os recursos naturais”, explicou.
Marcelo dos Santos Bianchi, morador de São Lourenço do Sul e natural do Alegrete, refletiu sobre a degradação da Pampa, que presenciou desde a infância. Ao assistir ao documentário, Marcelo constatou que o Pampa onde brincava continuava sendo maltratado, destacando que os relatos de seus conterrâneos foram impactantes.
“Não me causaram espanto, mas, sim, me deixaram ainda mais preocupado com a minha terra e com o futuro do Pampa. Ao que tudo indica, vamos deixar de herança uma Pampa mais pobre do herdamos de nossos pais. Até mesmo o canto alegretense, que tem tanto vínculo com o nosso pertencimento ao lugar, aos poucos vai perdendo sentido: sem flor de tuna, sem camoatim e sem mel campeiro”, lamentou.
Na visão de Rogério Rodrigues, a integração do documentário em atividades educacionais é extremamente valiosa. Ele acredita que o filme funciona como um recurso pedagógico capaz de promover debates sobre questões socioambientais e proporcionar uma compreensão mais profunda do bioma Pampa.
“Ele é um filme de escuta, no qual, como documentarista, me coloco em cena para representar o gaúcho dos grandes centros urbanos – lugares que centralizam as decisões políticas, mas que hoje vivem de costas para o bioma. Essa abordagem permite reflexões sobre pertencimento e responsabilidade, convidando estudantes e educadores a se reconectarem com o território e a realidade de suas comunidades. Iniciativas como a da professora Patrícia Lovatto, que nos procurou para exibir o filme e nos deu feedback, são fundamentais para a construção e união de forças a favor destes objetivos”, pontuou.
A expectativa é que o documentário sensibilize o público sobre a importância de preservação do bioma Pampa e das culturas das comunidades tradicionais que nele habitam.
“Essa mudança de perspectiva é essencial, e o documentário convida o público a enxergar o país como um grande mosaico de identidades sociais que precisam se reconhecer e se respeitar. Nos festivais, nossa meta é alcançar uma audiência ampla, fomentando debates sobre sustentabilidade e os direitos das comunidades tradicionais. Em exibições específicas, como na FURG, buscamos engajar estudantes e acadêmicos, incentivando pesquisas e ações concretas voltadas para a conservação do Pampa. Também temos a intenção de lançar o filme em plataformas de streaming no futuro, apresentando o bioma a um público ainda maior”, complementou.